quarta-feira, 5 de novembro de 2025

EXPLORE A ESCRITA QUE EXISTE DENTRO DE VOCÊ!

 

EXPLORE A ESCRITA QUE EXISTE DENTRO DE VOCÊ!



Não fique um dia sequer sem escrever. 
Aguce seu olhar, seu olfato, aguce seus sentimentos, e escreva.
Há temas por todos os lados:


Imagine o drama que pode nascer desta frase! 
Quer tentar?

Ao criar a história acima, experimente um narrador personagem escrevendo na primeira pessoa. 

Mas depois reescreva na segunda pessoa adotando um narrador onisciente, bem mais forte e poderoso. 

São 2 exercícios fundamentais para que você perceba o narrador na sua história.

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DICAS QUE A GENTE ENCONTRA POR AÍ

 
























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Neste blog tem muito mais. EXPLORE:








quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Catar feijão - João Cabral de Melo Neto

A ARTE DE ESCREVER

Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
[...] 
João Cabral de Melo Neto



quinta-feira, 7 de agosto de 2025

PRECISA DE TEMAS? AQUI TEM 3 NARRATIVAS INVESTIGATIVAS PARA VOCÊ CRIAR

 

Investigadora Fran M. Albuquerque


TRÊS NARRATIVAS INVESTIGATIVAS COM  INVESTIGADORA FRAN ALBUQUERQUE


Desenvolva as investigações com base nas histórias abaixo:



1. A MULHER SEM MEMÓRIA 


Uma mulher adulta, com idade estimada entre 30 e 40 anos, foi localizada em estado de inconsciência à margem da rodovia BR-316, km 212, por volta das 5h40 da manhã. A vítima apresentava sinais claros de desorientação mental, sem qualquer documento de identificação, bolsa ou aparelho celular. O socorro foi acionado por um motorista que trafegava pelo trecho.

Durante o atendimento médico inicial, foram constatados hematomas nos braços e costas, além de um ferimento contuso na região temporal esquerda do crânio. O exame físico indicou que a lesão foi provocada por impacto direto com objeto rígido, compatível com um instrumento de madeira, ferro ou pedra. Possível trauma cranioencefálico. A equipe médica classificou o caso como potencial agressão.

A investigação ficou a cargo da inspetora Fran M. Albuquerque, especialista em crimes sem identificação. Fran iniciou a apuração com análise das imagens de segurança da praça de pedágio anterior, situada a cerca de 8 km do ponto de achado da vítima. O objetivo era localizar veículos suspeitos que trafegaram no intervalo de tempo compatível com a estimativa de abandono.

Simultaneamente, foi solicitado o cruzamento de dados com o sistema de reconhecimento facial nacional, utilizando as imagens da vítima capturadas no hospital sob protocolo legal. O banco de desaparecidos e registros civis foi acionado com prioridade.

Durante inspeção de campo, a inspetora identificou uma propriedade rural de pequeno porte — uma chácara a aproximadamente dois quilômetros do local. No portão de entrada, duas câmeras de vigilância foram avistadas. O proprietário foi contatado para liberação imediata das imagens das últimas 24 horas.

A linha de investigação, até o momento, considera três hipóteses principais:

  1. Agressão com tentativa de homicídio seguida de ocultação;

  2. Sequestro ou cárcere privado com fuga da vítima;

  3. Acidente com participação de terceiros e abandono.

Nenhum dado concreto sobre a identidade da mulher havia sido confirmado até o fechamento deste relatório preliminar. Inspetora Fran prossegue com diligências técnicas e mapeamento da área.



2. O SEQUESTRO


Na manhã de sexta-feira, Lígia Vasconcelos, 39 anos, deixou o filho, Felipe, de 12 anos, na escola por volta das 7h15. Após a saída, passou no supermercado e retornou para casa no Residencial Serra Verde, Zona Sul. Planejava organizar os preparativos da festa de aniversário do menino, marcada para o dia seguinte.

Às 10h42, o celular de Lígia tocou. A chamada, registrada como número privado, foi atendida na cozinha da residência.

A voz masculina, rouca e ameaçadora, se apresentou de forma direta:

“Você está sendo observada. Fique onde está. Não feche a janela.”

Sem pausa, o interlocutor alegou que havia sequestrado Felipe na entrada da escola e que, naquele momento, o garoto estaria trancado no porta-malas do veículo.

Lígia entrou em colapso emocional. Implorou, chorou, tentou negociar. Em vão.

“Se a polícia for envolvida ou se algo sair do meu plano, o seu filho morre. E vocês nunca mais vão encontrar o corpo. Depois, passo aí para cuidar de você e do seu marido.”

Desorientada e em estado de pânico, Lígia perguntou o que o criminoso queria. A resposta foi imediata:

“Simples. O saldo das aplicações de vocês. Já tenho acesso aos extratos. Dois milhões de reais. Agora. Vai ligar pro seu marido. Ele transfere tudo para a chave temporária: travessuras@gmail.com. Tem uma hora. E o seu filho, também.”

A ligação foi encerrada às 10h46. Nenhum outro contato foi feito em seguida.

O marido, Eduardo Vasconcelos, 45, gerente de tecnologia em uma empresa de médio porte, recebeu a chamada da esposa em prantos. Sem hesitar, realizou a transferência integral da quantia solicitada via PIX para a chave fornecida, sem questionar ou tentar contato com autoridades — temendo que qualquer atitude colocasse em risco a vida do filho.

Horas se passaram. Nenhum novo contato do sequestrador. Nenhuma exigência adicional. Nenhuma confirmação do suposto sequestro.

Às 17h58, o ônibus escolar buzinou em frente à residência. Para surpresa do casal, Felipe desceu normalmente, sorridente, acenando aos colegas. Não havia sido retirado da escola. Não houve qualquer interrupção em sua rotina diária.

O caso foi então classificado como “falso sequestro com extorsão mediante ameaça” e encaminhado à investigadora Fran M. Albuquerque, especialista em crimes digitais e extorsão financeira.

  • A chave travessuras@gmail.com foi identificada como conta temporária aberta com dados falsos e rota de IP mascarada via VPN estrangeira.

  • O telefone da vítima não apresentou rastros de GPS ativo do possível sequestrador, mas a gravação da chamada foi preservada e será submetida a análise de voz.

  • O casal foi orientado a não realizar novas movimentações financeiras.

  • A investigação avança agora com foco em engenharia social digital, possível vazamento bancário, e conexão com rede criminosa especializada em fraudes emocionais.



3. O SEGREDO DE JAQUELINE


Naquela tarde, Jaqueline saiu do trabalho mais apressada que o habitual. Tinha uma reunião marcada com dois advogados — algo sobre uma herança. Não lhe deram detalhes. Só disseram que ela constava como beneficiária de um testamento recente. Aquilo a intrigava. Herança de quem? Não reconhecia o nome mencionado. Mas decidiu comparecer.

— Hoje não posso esperar você — disse à colega da bancada. — Tenho um compromisso importante.

A amiga apenas acenou, e Jaqueline apertou o botão do elevador. Lá embaixo, já cruzando a calçada, algo lhe chamou a atenção. Próximo a uma mureta, entre uma árvore e a lixeira do prédio, estava uma valise preta, de couro legítimo, muito bem cuidada. Aparentava ser de alguém importante. Jaqueline olhou discretamente ao redor. Ninguém parecia procurá-la. Abriu-a com cautela. Dentro, uma carteira com um cartão de visitas, pastas com documentos organizados e... um nome: Gabriel Nogueira.

Teve o impulso de voltar ao prédio e deixar na portaria, mas o relógio não permitia. Já estava atrasada demais. Levou a valise consigo, decidida a localizar o dono depois da reunião.

O escritório de advocacia era discreto, num prédio comercial antigo. Às 18h32, Jaqueline foi recebida por dois advogados de fala precisa e expressão neutra. Ofereceram café, pediram que se sentasse e lhe entregaram uma pasta.

— O senhor Luiz Alberto Dias faleceu há duas semanas — disse um deles. — E deixou instruções claras no testamento: parte significativa de seus bens deve ser destinada a você.

— Mas… eu não conheço nenhum Luiz Alberto — respondeu, confusa.

— Ele a reconhecia como filha — o outro completou, folheando um papel timbrado.

A reunião terminou em poucos minutos com orientações para que assinasse os documentos. Jaqueline saiu do escritório com um misto de estranheza e inquietação. Tudo parecia um sonho, não parecia real.

De volta ao apartamento alugado na mesma rua em que trabalhava, Sua mente fervilhava em torno do que acontecera naquele escritório. Nem sabia ao certo de que bens eles falavam. Jaqueline respirou fundo e finalmente pesquisou o nome no cartão da valise. Gabriel Nogueira. Advogado criminalista. Escritório a poucos quarteirões dali. Ligou. A secretária atendeu, surpresa.

— Ele está procurando por essa pasta desde o início da tarde!

Marcou com ele no dia seguinte, para entregar pessoalmente.

Gabriel apareceu pontualmente. Era um homem de meia-idade, gentil, de fala firme, e olhar atento. Quando ela lhe entregou a pasta intacta, ele pareceu observar mais do que agradecer.

— Curioso como o destino age… — disse ele, pensativo. — Essa valise caiu em boas mãos.

Ela sorriu, sem entender completamente. Tomaram um café. Conversaram mais do que o necessário. Havia algo familiar naquele homem. Uma sintonia discreta.

Nas semanas seguintes, Gabriel e Jaqueline se encontraram outras vezes, se tornaram próximos. Descobriram afinidades improváveis, gostos semelhantes, visões parecidas sobre justiça e ética. Ela lhe contou sobre a herança. Ele ouviu em silêncio.

— Luiz Alberto Dias... — murmurou. — Não conheci pessoalmente, mas ouvi falar dele. Um empresário do ramo metalúrgico, um homem recluso. Muito inteligente.

Mas algo no olhar de Gabriel deixava transparecer que havia mais. Como se aquela valise tivesse sido esquecida propositalmente.

E com o tempo, Jaqueline começaria a desconfiar de que aquela herança não era apenas uma questão legal, mas uma ponte cuidadosamente arquitetada para revelar a verdade sobre seu passado.

E talvez, Gabriel soubesse mais do que dizia.

Jaqueline estava com medo. Contratou a investigadora  Fran M. Albuquerque para descobrir quem é seu pai, quem é Gabriel, quem é ela mesma...



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QUER INSPIRAÇÃO? BUSQUE À MESA DE REFEIÇÃO

 Almoços e jantares oferecem motes que merecem histórias. 



1. Uma vizinha que chega de repente, como quem não quer nada, e vai se aboletando à mesa, sem ter sido convidada...

2. Um parente que chega de viagem e você lhe oferece um almoço em família. Sua mãe faz a melhor feijoada de todos os tempos, mas o sujeito é vegetariano...

3. Um inseto pousa no prato principal, e...

4. Todos chegam para um jantar, porém,  a dona da casa os coloca à mesa e diz que não haverá jantar, mas ela tem uma revelação...

5. No restaurante, a conta chega e é muito alta...

6. Você convidou a namorada para um almoço de domingo em família, afinal seus pais querem muito conhecê-la, mas ela diz que namora com você e não com seus pais...

7. No restaurante, um garçom atrapalhado serve na sua mesa um prato caríssimo, e para o outro, o sanduíche que seria para você. Você pede para trocar? E se o outro não reclamar, e até apreciar o sanduíche?...

8. Você é convidado para um almoço numa fazenda. A estrada é ruim, e você demora para chegar. Está com muita fome. E quando chega o almoço é torresmo, farofa, língua de boi, fígado, arroz com testículos, miolo de boi, dobradinha etc...

9. Seu chefe mora numa mansão em condomínio de luxo. Ele convida uns poucos funcionários para almoçarem na casa dele. Você já pensa na piscina, "vou dar um mergulho!", na quadra de tênis, "vou mostrar aquela minha jogada". No entanto, para sua surpresa, não se trata de um churrasco ou algo assim. A mesa da sala de jantar está formalmente posta com toalha de linho azul marinho e guardanapos de tecido, um vaso de cristal ao centro enfeitado com flores frescas exalando um perfume suave,  todos os talheres dispostos ao lado dos pratos, copos e taças ordenadas. Há uma buffet de aperitivos finos, o garçom lhe serve um vinho.... e você está usando bermuda, camiseta de verão, boné, e tênis...


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quarta-feira, 14 de maio de 2025

DESAFIO - O ENIGMA DA BIBLIOTECA DO DR. SAUL MORATO




Os bombeiros foram acionados na madrugada. 

"Dr. Saul está preso na biblioteca desde a hora do almoço. Ele não responde nossos chamados. Achamos que estivesse tirando uma soneca, mas faz muito tempo. Podem vir nos ajudar?".  

E vieram dois agentes do Corpo de Bombeiros. Um deles, o investigador Nuno, um italianinho atarracado num corpo miúdo, e  agilidade enorme de ação. O outro, um médico experiente que jamais errou os diagnósticos.

A esposa estava nervosa, foi dizendo que achava que ele bebeu demais no almoço. 

Nuno a interrompeu: dizendo que a porta era protegida por um enigma. Por que?

"Enigma, sim! Papai vive fazendo charadas e provocando a gente com enigmas. Sempre esteve trancada por alguma chave enigmática". - Disse a filha.

Meu marido é muito sagaz, sempre criou enigmas para tudo. Disse a esposa agitando as mãos.

Quem mais tem acesso à essa biblioteca através desta senha? - perguntou Nuno.

Até ontem meu genro tinha a senha, mas hoje me parece que a senha é outra. Ele já tentou e não conseguiu.

Chame seu genro, senhora, por favor.

Não demorou e chegou Vito. "O velho ainda está aí dentro?". Ele sempre muda a senha, essa aí eu não consigo decifrar. Números nunca foram meu forte. 

Nuno precisava  abrir a porta, já que a única janela que dava para o jardim também estava trancada com um aviso: entrada somente pela porta.  

O investigador examinou. Era um um código numérico de quatro dígitos. Havia uma etiqueta que dizia: 

  • "A soma dos dígitos é igual ao número de letras da palavra caos."

  • "O segundo dígito é o dobro do primeiro."

  • "O último é a metade do terceiro."

  • "O primeiro dígito é 1."

  • Nuno pediu que todos saíssem, que fossem para a outra sala.  Ele já tinha decifrado o enigma. 

  • Nuno abriu a porta devagar. O homem estava estirado na poltrona. nas mãos um álbum de figurinhas


  • Palavra "CAOS" tem 4 letras.

  • Primeiro dígito: 1

  • Segundo dígito: 2 (dobro de 1)

  • Terceiro dígito: 4 (precisa ser o dobro do último)

  • Último dígito: 2

  • Código: 1242

  • - Acione a Polícia Técnica - ordenou Nuno...

  • O que houve com o Dr. Saul Morato? 


  • segunda-feira, 12 de maio de 2025

    PONTO DE VISTA NARRATIVO - NARRATIVA NA TERCEIRA PESSOA





    Ponto de vista em terceira pessoa


    O autor narra uma história sobre os personagens e se refere a eles com os pronomes de terceira pessoa "ele/ela".

     

    "Era muito cedo, estava frio e havia uma densa névoa abafando a manhã. Ele desceu correndo em direção ao ônibus que já se movimentava devagar. Havia ainda uma boa distância até a parada. Via-se que ele tinha as pernas trôpegas, a inclinação da rua parecia lhe favorecer mais velocidade. De repente ouviu-se o grito desesperado dele "Espere!" . Seus braços atordoados se articulavam no ar dando mais força ao seu pedido. O motorista não o via de onde estava. O ônibus partiu sem ele.

    Era o fim para o pobre coitado. Estancou aos pedaços. Os olhos estavam confusos, e os lábios trêmulos. Logo as lágrimas desceram, e o sofrimento já era mais denso que a névoa daquele dia.".

     

    Este tipo de narrativa pode ser um NARRADOR ONISCIENTE (onisciente significa “ciência de tudo”), ou seja, o tipo de narrador onisciente representa as narrativas em que o narrador conhece todos os detalhes da história, inclusive pode conhecer os pensamentos e emoções dos personagens.

     

    NARRADOR ONISCIENTE - É o narrador mais poderoso, mais completo, mais usado nas histórias e romances e mais empregado na escrita criativa.


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    VEJA NESTE BLOG:

    NARRATIVA NA SEGUNDA PESSOA

    NARRATIVA NA PRIMEIRA PESSOA

    DISPOSITIVOS LITERÁRIO - FERRAMENTAS PARA A ESCRITA CRIATIVA

    PLOT TWIST

    MARATONA LITERÁRIA - 30 DIAS DE HISTÓRIAS


    PONTO DE VISTA NARRATIVO - SEGUNDA PESSOA

     

    PONTO DE VISTA NARRATIVO

    SEGUNDA PESSOA

     

    "Você mente uma vez e percebe que acreditaram na sua falácia. Então, você mente de novo, e de novo. E aí, começa a divagar sobre viagens que nunca fez, sobre celebridades que não conhece, mas que jura terem se encontrado um dia, sobre sua falsa fortuna, e blá, blá, blá..."


    Ponto de vista é a voz narrativa através da qual você conta uma história.

    Ao escrever uma história, você deve decidir quem a contará e para quem.

    A história pode ser contada por um personagem envolvido na narrativa ou de uma perspectiva que vê e conhece todos os personagens, mas não é um deles.

     

    Ponto de vista de segunda pessoa


    O ponto de vista em segunda pessoa é estruturado em torno do pronome "você". Esse processo não é tão comum na literatura. 

    "Você mente uma vez e percebe que acreditaram na sua falácia. Então, você mente de novo, e de novo. E aí, começa a divagar sobre viagens que nunca fez, sobre celebridades que não conhece, mas que jura terem se encontrado um dia, sobre sua falsa fortuna, e blá, blá, blá...

    A segunda pessoa pode permitir que você atraia seu leitor para a história e faça com que ele se sinta parte da ação porque o narrador está falando diretamente com ele. Escrever em segunda pessoa por qualquer extensão é um desafio e vai expandir suas habilidades de escrita.

    Os contos de autoajuda ficam perfeitos na segunda pessoa.  Experimente.


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     OUTRAS PÁGINAS PODEM INTERESSAR:

    PONTO DE VISTA NARRATIVO NA PRIMEIRA PESSOA

    DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

    EMPREGO DE NUMERAIS NA NARRATIVA


    PONTO DE VISTA NARRATIVO - HISTÓRIA NARRADA PRIMEIRA PESSOA

     

    PONTO DE VISTA NARRATIVO

    PRIMEIRA PESSOA

     

    (Não tive como me safar, então fugi numa noite muito escura com a esquelética lua escondida entre as nuvens do outono. Eu corri a noite inteira pela mata fechada, por trilhas desconhecidas.  Minhas pernas tremiam, minha garganta áspera, o peito arfante me enfraquecia o ânimo.) 


    Ponto de vista é a voz narrativa através da qual você conta uma história.

    Ao escrever uma história, você deve decidir quem a contará e para quem.

    A história pode ser contada por um personagem envolvido na narrativa ou de uma perspectiva que vê e conhece todos os personagens, mas não é um deles.

     

    Ponto de vista de primeira pessoa

     

    No ponto de vista de primeira pessoa, um dos personagens está narrando a história.

    Isso geralmente é revelado pela própria construção da frase "eu" e depende de pronomes de primeira pessoa: 

    "Não tive como me safar. Fugi numa noite muito escura com a esquelética lua escondida entre as nuvens do outono. Eu corri a noite inteira pela mata fechada, por trilhas desconhecidas.  Minhas pernas tremiam, minha garganta áspera tinha sede, o peito arfante me enfraquecia o ânimo"

    Neste caso, o leitor reconhece que esse personagem está intimamente relacionado à ação da história - seja um personagem principal ou alguém próximo do protagonista.

    A narrativa em primeira pessoa pode fornecer intimidade e um olhar mais profundo na mente de um personagem, mas também é limitada pelas habilidades perceptivas do personagem. No entanto, esse ponto de vista narrativo limita muito o relato interior dos personagens, eles narram o que sabem, apenas realidade sobre os passos da história.  Pode ser:

     

    Narrador personagem protagonista

    Narrador personagem observador

     

    Na obra Memórias Póstumas e Brás Cubas, de Machado de Assis, o narrador é personagem protagonista

    E, na obra Um Estudo em Vermelho, de Arthur Conan Doyle, o Sr. Watson é o personagem secundário da história, ou seja, é o narrador testemunha:




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    VISITE OUTRAS PÁGINAS QUE PODEM INTERESSAR:

    Veja aqui PONTO DE VISTA NA SEGUNDA PESSOA

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    A ROUPA NOVA DO REI - Hans Christian Andersen (1837)

     

    A ROUPA NOVA DO REI

    Hans Christian Andersen (1837)

     


    Há muitos e muitos anos atrás, havia um rei tão apaixonado, mas tão apaixonado por roupas novas, que gastava com elas todo o dinheiro que possuía. Pouco se importava com seus soldados, com o teatro ou com os passeios pelos bosques, contanto que pudesse vestir novos trajes. E ele tinha mesmo um para cada hora do dia, tanto que, ao invés de se dizer dele o que se diz de qualquer rei: “O rei está ocupado com seus conselheiros”, por exemplo, dele se dizia sempre a mesma coisa: “0 rei está se vestindo”.

    Na cidade em que vivia, a vida era muito alegre; todos os dias chegavam multidões de forasteiros para visitá-la, e, entre eles, certa ocasião, chegaram dois vigaristas. Sabendo do gosto do monarca, e tramando dar nele um golpe, fingiram-se de tecelões, e apresentaram-se no palácio dizendo-se capazes de tecer os tecidos mais maravilhosos do mundo. E não somente as cores e os desenhos de seus tecidos eram magníficos, mas também os trajes que faziam possuíam a qualidade especial de se tornar invisíveis para aqueles que não tivessem as qualidades necessárias para desempenhar suas funções e também para aqueles que fossem muito tolos e presunçosos.

    “Devem ser trajes magníficos —pensou o rei. “E se eu vestisse um deles, poderia descobrir todos aqueles que em meu reino carecem das qualidades necessárias para desempenhar seus cargos. E também poderei distinguir os tolos dos inteligentes. “Sim, estou decidido a encomendar um desses trajes para mim!”

    Entregou então a um dos tecelões uma grande soma em dinheiro como adiantamento, na expectativa de que assim os dois começassem imediatamente o trabalho. E foi o que aconteceu: depois de receberem uma grande quantidade de seda pura e fio de ouro, material que guardaram em seus alforjes, os dois vigaristas prepararam os teares e fingiram entregar-se ao trabalho de tecer, embora não houvesse um só fio nas lançadeiras.

    “Gostaria de saber como vai o trabalho dos tecelões” —pensou um dia o rei. Todavia, temendo ser ele mesmo um tolo, ou alguém incapaz de exercer a função de rei, desistiu de ir pessoalmente e decidiu mandar outra pessoa em seu lugar. Todos os habitantes da cidade conheciam as maravilhosas qualidades do tecido em questão, e todos, também, desejavam saber, por esse meio, se seus vizinhos ou amigos era tolos. “Mandarei meu fiel primeiro ministro visitar os tecelões”— pensou o rei. “Será o mais capacitado para ver o tecido, pois é um homem muito hábil e ninguém cumpre seus deveres melhor do que ele”. E assim o bom e velho primeiro ministro dirigiu-se ao aposento em que os vigaristas trabalhavam nos teares completamente vazios. “Deus me proteja!” —pensou o ancião, e abrindo bem os olhos pensou “Mas eu não vejo nada!”

    Os dois vigaristas, então, notando a expressão de espanto no rosto do velho, pedem-lhe que se aproxime e opine acerca do desenho e do colorido do tecido. Mostram-lhe o tear vazio e o pobre ministro, por mais que se esforçasse para ver, não conseguia enxergar coisa alguma, porque não havia nada para ver.

    “Deus meu! —pensava. “Serei eu tão tolo assim?” E não querendo que ninguém soubesse de sua tolice e menos ainda que o julgasse incapaz de exercer a função de ministro, imediatamente respondeu: “É muito lindo! Que efeito encantador!!” E fitando o tear vazio através de seus óculos: “0 que mais me agrada são os desenhos e as maravilhosas cores que o compõem. Asseguro-lhes que direi ao rei o quanto gosto de seu trabalho!”

    “Ficamos muito honrados em ouvir tais palavras de vossos lábios, senhor ministro” — replicaram os tecelões. E imediatamente começam a verbalmente descrever os detalhes do complicado desenho e das cores que o formavam. 0 ministro ouviu- os com a maior atenção, com a intenção de repetir essas palavras quando estivesse na presença do rei.

    Percebendo que seu plano estava dando certo, os dois vigaristas pedem então mais dinheiro, mais seda e mais fio de ouro, para dar prosseguimento a seu trabalho. Porém, assim que recebem o solicitado, guardam-no como antes. Nem um só fio foi colocado no tear, embora eles fingissem continuar trabalhando apressadamente.

    Passado algum tempo, o rei envia outro fiel cortesão para verificar o progresso do trabalho dos falsos tecelões e a fim de saber se eles demorariam muito para entregar o tecido. A este segundo enviado aconteceu a mesma coisa que com o primeiro: “Não acha que é uma fazenda maravilhosa?” —perguntaram os vigaristas, mostrando e explicando um desenho imaginário e um colorido não menos fantástico, que ninguém conseguia ver. “Sei que não sou tolo” —pensava o cortesão; “mas se não vejo o tecido, é porque não devo ser capaz de exercer minha função... Melhor pois não dar a perceber esse fato.”

    E assim foi, até que o rei convencido de que ele próprio deveria ver o tal tecido enquanto ainda estivesse no tear, pediu que outros mais cortesãos, dentre os quais o primeiro ministro e o outro palaciano que haviam fingido ver o tecido, o acompanhassem em uma visita aos falsos tecelões. Chegando lá, viu que os dois vigaristas com o maior cuidado trabalhavam no tear vazio, e com grande compenetração. “É magnífico!” —exclamaram o primeiro ministro e o palaciano. “Digne-se Vossa Majestade a olhar o desenho. Que cores maravilhosas!” E apontavam para o tear vazio, pois não tinham dúvidas de que as outras pessoas viam o tecido. “Mas o que é isto?” —pensou o rei. “Não estou vendo nada! Isso é terrível! Serei um tolo? Não terei capacidade para ser rei? Certamente não poderia acontecer-me nada pior.” E assim pensando, exclama: “É realmente uma beleza esse tecido!” “E merece minha melhor aprovação.” E manifestava sua aprovação por meio de alguns gestos, enquanto olhava para o tear vazio, pois ninguém poderia supor que ele não estivesse vendo coisa alguma.

    Por sua vez, todos os outros cortesãos olhavam e obviamente também não viam nada. Porém, como nenhum queria passar por tolo ou incapaz, todos fizeram coro às palavras de Sua Majestade. “É uma beleza!” --exclamavam. E aconselharam o rei a mandar fazer uma roupa com aquele tecido maravilhoso, e que a estreasse no grande desfile que se iria realizar daí a alguns dias.

    Os elogios ao inexistente tecido corriam de boca em boca e toda a cidade estava curiosa e entusiasmada. E o rei condecorou os dois vigaristas com a ordem dos cavaleiros e concedeu-lhes o título de Cavaleiros Tecelões...

    Na noite anterior ao desfile, os dois vigaristas, querendo que todos testemunhassem seu grande interesse em terminar a roupa do rei, passam a noite toda trabalhando, à luz de dezesseis velas. E fingem tirar a fazenda do tear, e cortá-la com enormes tesouras e costurá-la com agulhas sem linha de espécie alguma até finalmente dizer: “Já está pronto o traje do rei!!”

    0 rei, então, acompanhado por seus mais nobres cortesãos, vai ao atelier dos vigaristas, e um deles, levantando um braço, como se segurasse uma peça de roupa, diz: “Aqui estão suas calças. Este é o colete!!! Veja, Vossa Majestade, aqui está o casaco!! Finalmente, dignai-vos a examinar o manto!! Estas peças pesam tanto quanto uma teia de aranha. Quem as usar mal sentirá o seu peso...”

    E embora ninguém visse nada, todos fingiam ver, enquanto ouviam os vigaristas a descrever as roupas, porque todos temiam ser considerados tolos ou incapazes.

    “Tirai agora vossas roupas, Majestade --disse um dos falsos tecelões-- e assim poderá experimentar a roupa nova na frente do espelho”. E o rei tirou a roupa que vestia e os impostores fingiram entregar-lhe peça por peça sucessivamente e a ajudá-lo a vestir cada uma delas. “Que bem assenta este traje em Sua Majestade!!!” “Como está elegante!!! Que desenho e que colorido! É uma roupa magnífica!”

    “Estou pronto” – disse finalmente o rei, completamente nu. “Acham que esta roupa me assenta bem?” E novamente mirou-se no espelho, a fim de fingir que se admirava vestido com a roupa nova. E os camaristas, que deviam carregar o manto, inclinaram-se fingindo recolhê-lo do chão e logo começaram a andar com as mãos no ar, carregando nada, pois também eles não se atreviam a dizer que não viam coisa alguma. À frente o rei andava orgulhoso e todos os que o assistiam das ruas e das janelas, exclamavam: “Como está bem vestido o rei! Que cauda magnífica! A roupa assenta nele como uma luva!!!” Nunca na verdade a roupa do rei alcançara tanto sucesso!! Até que subitamente uma criança, do meio da multidão gritou: O rei está nu!!!

    “Ouçam! Ouçam o que diz esta criança inocente!” --observou o pai a quantos o rodeavam. Imediatamente o povo começou a cochichar entre si. “0 rei está nu! O rei está nu!!” --começou a gritar o povo. E o rei ouvindo, fez um trejeito, pois sabia que aquelas palavras eram a expressão da verdade, mas pensou: “O desfile tem que continuar!!” E, assim, continuou mais impassível que nunca e os camaristas continuaram segurando a sua cauda invisível.

    quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

    CRIE PERSONAGENS INESQUECÍVEIS



    Inspetor Clouseau

     CRIE PERSONAGENS INESQUECÍVEIS


    Quer um protagonista forte e cativante? 

    Então comece definindo suas características! 


    DÊ A ELE PELO MENOS TRÊS 

    CARACTERÍSTICAS DOMINANTES 

    E PELO MENOS UMA CARACTERÍSTICA INVERSA:


    São traços que conduzirão os feitos de seu protagonista, ou antagonista.


    Por exemplo: Seu personagem é CORAJOSO, INTELIGENTE, E  RESPONSÁVEL.


    No entanto, personagens muito certinhos nem sempre rendem boas histórias.


    PERSONAGENS INCRÍVEIS 

    NÃO 

    PODEM SER PERFEITOS:


    Ele precisa ter um conflito interno, uma fraqueza ou dilema que o tire do prumo: um passado obscuro, um poder que o assusta, um trauma de infância, insegurança, um vício, fanatismo, intolerância, senso de vingança, uma perda nunca esquecida...

    Os personagens crescem no decorrer do enredo e de repente se colocam diante de situações que exigem escolhas. Muitas vezes, eles precisam usar de subterfúgios para "resolver" conflitos. 

    Então, aquele protagonista CORAJOSO / INTELIGENTE / RESPONSÁVEL - também poderia ser um "JUSTICEIRO".


    E aí, como é seu personagem? 


    Conta nos comentários que tipo de dilema seu personagem tem.


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    sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

    O COLOCADOR DE PRONOMES - Monteiro Lobato

    O COLOCADOR DE PRONOMES

    Monteiro Lobato


    Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática. Durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática. E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática. Mártir da gramática, fique este documento da sua vida como pedra angular para uma futura e bem merecida canonização.
    Havia em Itaoca um pobre moço que definhava de tédio no fundo de um cartório. Escrevente. Vinte e três anos. Magro. Ar um tanto palerma. Ledor de versos lacrimogêneos e pai duns acrósticos dados à luz no “Itaoquense”, com bastante sucesso.
    Vivia em paz com as suas certidões, quando o frechou venenosa seta de Cupido. Objeto amado: a filha mais moça do coronel Triburtino, o qual tinha duas: essa Laurinha, do escrevente, então nos dezessete; e a do Carmo, encalhe da família, vesga, madurota, histérica, manca da perna esquerda e um tanto aluada.
    Triburtino não era homem de brincadeiras. Esgoelara um vereador oposicionista em plena sessão da câmara, e desde aí se transformou no tutu da terra. Toda a gente lhe tinha um vago medo; mas o amor, que é mais forte que a morte, não receia sobrecenhos enfarruscados nem tufos de cabelos no nariz.
    Ousou o escrevente namorar-lhe a filha, apesar da distância hierárquica que os separava. Namoro à moda velha, já se vê, que nesse tempo não existia o escurinho dos cinemas. Encontros na igreja, a missa, troca de olhares, diálogos de flores — o que havia de inocente e puro. Depois, roupa nova, ponta de lenço de seda a entremostrar-se no bolsinho de cima e medição de passos na Rua d’Elba, nos dias de folga. Depois, a serenata fatal à esquina, com o “Acorda, donzela...” sapecado a medo num velho pinho de empréstimo.
    Depois, bilhetinho perfumado. Aqui se estrepou. Escrevera nesse bilhetinho apenas quatro palavras, afora pontos exclamativos e reticências: “Anjo adorado! Amo-lhe!...” Para abrir o jogo, bastava esse movimento de peão.
    Ora, aconteceu que o pai do anjo apanhou o bilhetinho celestial e, depois de três dias de sobrecenho carregado, mandou chamar o autor à sua presença, com disfarce de pretexto:
    — Para umas certidõezinhas — explicou.
    Apesar disso o moço veio um tanto ressabiado, com a pulga atrás da orelha. Não lhe erravam os pressentimentos. Mal o pilhou portas aquém, o coronel trancou o escritório, fechou a carranca e disse:
    — A família Triburtino de Mendonça é a mais honrada desta terra, e eu, seu chefe natural, não permitirei nunca — nunca, ouviu? — que contra ela se cometa o menor deslize.
    Parou. Abriu uma gaveta. Tirou de dentro o bilhetinho cor de rosa, desdobrou-o.
    — É sua esta peça de flagrante delito?
    O escrevente, a tremer, balbuciou medrosa confirmação.
    — Muito bem! — continuou o coronel em tom mais sereno. — Ama, então, minha filha e tem a audácia de o declarar... Pois agora...
    O escrevente, por instinto, ergueu o braço para defender a cabeça, e relanceou os olhos para a rua, sondando uma retirada estratégica.
    — ...é casar! — concluiu de improviso o vingativo pai.
    O escrevente ressuscitou. Abriu os olhos e a boca, num pasmo. Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos, disse, gaguejante:
    — Beijo-lhe as mãos, coronel! Nunca imaginei tanta generosidade em peito humano! Agora vejo com que injustiça o julgam aí fora!...
    Velhacamente, o velho cortou-lhe o fio das expansões:
    — Nada de frases, moço, vamos ao que serve: declaro-o solenemente noivo de minha filha!
    E voltando-se para dentro, gritou:
    — Do Carmo! Vem abraçar o teu noivo!
    O escrevente piscou seis vezes e, enchendo-se de coragem, corrigiu o erro:
    — Laurinha, quer o coronel dizer...
    — Sei onde trago o nariz, moço. Vassuncê mandou este bilhete à Laurinha, dizendo que ama-lhe. Se amasse a ela, deveria dizer amo-te. Dizendo amo-lhe, declara que ama uma terceira pessoa, a qual não pode ser senão a Maria do Carmo. Salvo se declara amor à minha mulher!...
    — Oh, coronel...
    — ...ou à preta Luzia, cozinheira. Escolha!
    O escrevente, vencido, derrubou a cabeça, com uma lágrima a escorrer rumo à asa do nariz. Silenciaram ambos, em pausa de tragédia. Por fim o coronel, batendo-lhe no ombro paternalmente, repetiu a boa lição da sua gramática matrimonial:
    — Os pronomes, como sabe, são três: da primeira pessoa — quem fala, e neste caso vassuncê; da segunda pessoa — a quem se fala, e neste caso Laurinha; da terceira pessoa — de quem se fala, e neste caso Maria do Carmo, minha mulher ou a preta. Escolha!
    Não havia fuga possível. O escrevente ergueu os olhos e viu a do Carmo que entrava, muito lampeira da vida, torcendo acanhada a ponta do avental novo ao alcance do maquiavélico pai. Submeteu-se e abraçou a urucaca, enquanto o velho, estendendo as mãos, dizia teatralmente:
    — Deus vos abençoe, meus filhos!
    No mês seguinte, solenemente, o moço casava-se com o encalhe, e onze meses depois vagia nas mãos da parteira o futuro professor Aldrovando, conspícuo sabedor da língua, que durante cinqüenta anos a fio coçaria na gramática a sua incurável sarna filológica.
    Até aos dez anos não revelou Aldrovando pinta nenhuma. Menino vulgar, tossiu a coqueluche em tempo próprio, teve o sarampo da praxe, mais a cachumba e a catapora. Mais tarde, no colégio, enquanto os outros enchiam as horas de estudo com invenções de matar o tempo — empapelamento de moscas e moidelas das respectivas cabecinhas entre duas folhas de papel, coisa de ver o desenho que sai — Aldrovando apalpava com erótica emoção a gramática de Augusto Freire da Silva. Era o latejar do furúnculo filológico, que o determinaria na vida, para matá-lo afinal...
    Deixemo-lo porém evoluir, e tomemo-lo quando nos serve, aos 40 anos, já a descer o morro, arcado ao peso da ciência e combalido de rins. Lá está ele em seu gabinete de trabalho, fossando, à luz dum lampião, os pronomes de Filinto Elísio. Corcovado, magro, seco, óculos de latão no nariz, careca, celibatário impenitente, dez horas de aulas por dia, duzentos mil réis por mês e o rim, volta e meia, a fazer-se lembrado.
    Já leu tudo. Sua vida foi sempre o mesmo poento idílio com as veneráveis costaneiras onde cabeceiam os clássicos lusitanos. Versou-os um por um com mão diurna e noturna. Sabe-os de cor, conhece-os pela morrinha, distingue pelo faro uma seca de Lucena duma esfalfa de Rodrigues Lobo. Digeriu todas as patranhas de Fernão Mendes Pinto. Obstruiu-se da broa encruada de Frei Pantaleão do Aveiro. Na idade em que os rapazes correm atrás das moças, Aldrovando escabichava belchiores na pista dos mais esquecidos mestres da boa arte de maçar. Nunca dormiu entre braços de mulher. A mulher e o amor — mundo, diabo, carne — eram para ele os alfarrábios freiráticos do quinhentismo, em cuja soporosa verborréia espapaçava os instintos lerdos, como porco em lameiro.
    Em certa época, viveu três anos acampado em Vieira. Depois vagamundeou, como um Robinson, pelas florestas de Bernardes.
    Aldrovando nada sabia do mundo atual. Desprezava a natureza, negava o presente. Passarinho, conhecia um só: o rouxinol de Bernardim Ribeiro. E se acaso o sabiá de Gonçalves Dias vinha bicar “pomos de Hespérides” na laranjeira do seu quintal, Aldrovando esfogueteava-se com apóstrofes:
    — Salta fora, regionalismo de má sonância!
    A língua lusa era-lhe um tabu sagrado, que atingira a perfeição com Frei Luís de Sousa, e daí para cá, salvo lucilações esporádicas, vinha chafurdando no ingranzéu barbaresco.
    — A inglesia de hoje — declamava ele — está para a Língua, como o cadáver em putrefação está para o corpo vivo.
    E suspirava, condoído dos nossos destinos:
    — Povo sem língua!... Não me sorri o futuro de Vera-Cruz...
    E não lhe objetassem que a língua é organismo vivo, e que a temos a evoluir na boca do povo.
    — Língua? Chama você língua à garabulha bordalenga que estampam periódicos? Cá está um desses galicígrafos. Deletreemo-lo ao acaso: “Teve lugar ontem...” É língua, esta espurcícia negral? Ó meu seráfico Frei Luís, como te conspurcam o divino idioma, estes sarrafaçais da moxinifada! “...no Trianon...” Por que Trianon? Por que este perene barbarizar com alienígenos arrevezos? Tão bem ficava “a Benfica”, ou, se querem neologismo de bom cunho, “o Logratório”. Tarelos é que são, tarelos!
    E suspirava, deveras compungido:
    — Inútil prosseguir. A folha inteira cacografa-se por este teor. Ai! Onde param as boas letras de antanho? Fez-se peru o níveo cisne. Ninguém atende a lei suma: Horácio! Impera o desprimor, e o mau gosto vige como suprema regra. A gálica intrujice é maré sem vazante. Quando penetro num livreiro, o coração se me confrange ante o pélago de óperas barbarescas que nos vertem cá mercadores da má mote. E é de notar, outrossim, que a elas se vão as preferências do vulgacho. Muito não faz que vi com estes olhos um gentil mancebo preferir uma sordícia de Oitavo Mirbelo (Canhenho duma dama de servir, creio) a — adivinhe a quê, amigo — ...à Carta de Guia do meu divino Francisco Manoel!...
    — Mas a evolução...
    — Basta! Conheço às sobejas a escolástica da época, a “evolução” darwínica, os vocábulos macacos, pitecofonemas que “evolveram”, perderam o peso e se vestem hoje à moda da França, com vidro no olho. Por amor a Frei Luís, que ali daquela costaneira escandalizado nos ouve, não remanche o amigo na esquipática sesquipedalice.
    Um biógrafo ao molde clássico separaria a vida de Aldrovando em duas fases distintas: a estática, em que apenas acumulou ciência; e a dinâmica, em que, transferido em apóstolo, veio a campo com todas as armas, para contrabater o monstro da corrupção.
    Abriu campanha com um memorável ofício ao Congresso, pedindo leis repressivas contra os ácaros do idioma:
    “Leis, senhores, leis de Drácão, que diques sejam, e fossados, e alcáçares de granito prepostos à defensão do idioma. Mister sendo, a força se restaure, que mais o baraço merece quem conspurca o sacro patrimônio da sã vernaculidade, que quem ao semelhante a vida tira. Vede, senhores, os pronomes, em que lazeira jazem...”
    Os pronomes, ai! eram a tortura permanente do professor Aldrovando. Doía-lhe como punhalada vê-los por aí, pré ou pospostos contra regras elementares do dizer castiço. E sua representação alargou-se nesse pormenor, flagelante, concitando os pais da Pátria à criação dum Santo Ofício gramatical.
    Os ignaros congressistas, porém, riram-se do ofício, e grandemente piaram sobre Aldrovando as mais cruéis chalaças:
    — Quer que instituamos patíbulo para os maus colocadores de pronomes! Isto seria autocondenar-nos à morte! Tinha graça!
    Também lhe foi à pele a imprensa, com pilhérias soezes. Depois, o público. Ninguém alcançara a nobreza do seu gesto, e Aldrovando, com a mortificação na alma, teve que mudar de rumo. Planeou recorrer ao púlpito dos jornais. Para isso mister foi, antes de nada, vencer o seu velho engulho pelos “galicígrafos de papel e graxa”. Transigiu, e desses “pulmões da pública opinião” apostrofou o País com o verbo tonante de Ezequiel. Encheu colunas e colunas de objurgatórias ultraviolentas, escritas no mais estreme vernáculo.
    Mas não foi entendido. Raro leitor metia os dentes naqueles intermináveis períodos engrenados à moda de Lucena. Ao cabo da aspérrima campanha, viu que pregara em pleno deserto. Leram-no apenas a meia dúzia de Aldrovandos que vegetam sempre em toda parte, como notas rezingüentas da sinfonia universal.
    A massa dos leitores, essa permaneceu alheia aos flamívomos pelouros da sua colubrina sem raia. E por fim os “periódicos” fecharam-lhe a porta no nariz, alegando falta de espaço.
    — Espaço não há para as sãs idéias — objurgou o enxotado — mas sobeja, e pressuroso, para quanto recomende à podriqueira!... Gomorra! Sodoma! Fogos do céu virão um dia limpar-vos a gafa! — exclamou, profético, sacudindo à soleira da redação o pó das cambaias botinas de elástico.
    Tentou em seguida ação mais direta, abrindo consultório gramatical:
    — Têm-nos os físicos (queria dizer: médicos), os doutores em leis, os charlatães de toda espécie. Abra-se um para a medicação da grande enferma, a língua. Gratuito, já se vê, que me não move amor de bens terrenos.
    Falhou a nova tentativa. Apenas as moscas vagabundas vinham esvoejar em torno da ciência que se oferecia na salinha modesta do apóstolo. Criatura humana, uma só, sequer, ali não veio remendar-se filologicamente.
    Ele, todavia, não esmoreceu:
    — Experimentemos processo outro, mais suasório.
    E anunciou a montagem da “Agência de Colocação de Pronomes e Reparos Estilísticos”. Quem tivesse um autógrafo a rever, um memorial a expungir de cincas, um calhamaço a compor-se com os “afeites” do lídimo vernáculo, fosse lá, que, sem remuneração nenhuma, nele se faria obra limpa e escorreita.
    Era boa a idéia, e logo vieram os primeiros originais necessitados de ortopedia, sonetos a consertar pés de versos, ofícios ao Governo pedindo concessões, cartas de amor.
    Tais, porém, eram as reformas que nos doentes operava Aldrovando, que os autores não mais reconheciam suas próprias obras. Um dos clientes chegou a reclamar:
    — Professor, V. Sa. enganou-se. Pedi limpa de enxada nos pronomes, mas não que me traduzisse o texto em latim...
    Aldrovando ergueu os óculos para a testa:
    — E traduzi em latim o tal ingranzéu?
    — Em latim ou grego, pois que o não consigo entender...
    Aldrovando empertigou-se:
    — Pois, amigo, errou de porta. Seu caso é ali com o alveitar da esquina.
    Pouco durou a agência, morta à míngua de clientes. Teimava o povo em permanecer empapado no chafurdeiro da corrupção...
    O rosário de insucessos, entretanto, em vez de desalentar, exasperou o apóstolo:
    — Hei de influir na minha época. Aos tarelos hei de vencer. Fogem-me à férula, os maraus de pau e corda? Ir-lhes-ei empós, filá-los-ei pela gorja... Salta rumor!
    E foi-lhes “empós”. Andou pelas ruas, examinando dísticos e tabuletas com vícios da língua. Descoberta a “asnidade”, ia ter com o proprietário, contra ele desfechando os melhores argumentos catequistas.
    Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo portão de tenda uma tabuleta — “Ferra-se cavalos” — escoicinhava a santa gramática.
    — Amigo — disse-lhe pachorrentamente Aldrovando — natural a mim me parece que erres, alarve que és. Se erram paredros, nesta época de ouro da corrupção... (o ferreiro pôs de lado o malho e entreabriu a boca). Mas da boa sombra do teu focinho espero que ouvidos me darás. Naquela tábua um dislate existe, que seriamente à língua lusa ofende. Venho pedir-lhe, em nome do asseio gramatical, que o expunjas.
    — ? ? ?
    — Que reformes a tabuleta, digo.
    — Reformar a tabuleta? Uma tabuleta nova, com a licença paga? Está acaso rachada?
    — Fisicamente, não. A racha é na sintaxe. Fogem, ali, os dizeres à sã gramaticalidade.
    — Macacos me lambam, se estou entendendo o que V. Sa. diz...
    — Digo que está a forma verbal com eiva grave. O “ferra-se” tem que cair no plural, pois que a forma é passiva e o sujeito é “cavalos” (o ferreiro abriu o resto da boca). O sujeito sendo “cavalos”, a forma verbal é “ferram-se”: “Ferram-se cavalos”.
    — Ah! Começo agora a compreender. Diz V. Sa. que...
    — Que “ferra-se cavalos” é um solecismo horrendo, e o certo é “ferram-se cavalos”.
    — V. Sa. me perdoe, mas o sujeito que ferra os cavalos sou eu, e eu não sou plural. Aquele “se” da tabuleta refere-se cá a este seu criado. É como quem diz: “Serafim ferra cavalos”, ou então “ferra Serafim cavalos”. Para economizar tinta e tábua, abreviaram o meu nome, e ficou como está: “Ferra-Se(rafim) cavalos”. Isto me explicou o pintor, e entendi-o muito bem.
    Aldrovando ergueu os olhos para o céu, e suspirou.
    — Ferras cavalos e bem merecias que te fizessem eles o mesmo!... Mas não discutamos. Ofereço-te dez mil réis pela admissão dum “m” ali...
    — Se V. Sa. paga...
    Bem empregado o dinheiro! A tabuleta surgiu no dia seguinte dessolecismada, perfeitamente de acordo com as boas regras da gramática. Era a primeira vitória obtida, e todas as tardes Aldrovando passava por lá, para gozar-se dela.
    Por mal, porém, não durou muito o regalo. Coincidindo a entronização do “m” com maus negócios na oficina, o supersticioso ferreiro atribuiu a macaca à alteração dos dizeres, e lá raspou o “m” do professor.
    A cara que Aldrovando fez quando, no passeio desse dia, deu com a sua vitória borrada! Entrou furioso pela oficina a dentro, e mascava uma apóstrofe de fulminar, quando o ferreiro, às brutas, lhe barrou o passo:
    — Chega de caraminholas, ó barata tonta! Quem manda aqui, no serviço e na língua, sou eu. E é ir andando, antes que eu o ferre com um bom par de ferros ingleses!
    O mártir da língua meteu a gramática entre as pernas e moscou-se.
    — Sancta simplicitas! — ouviram-no murmurar na rua, de rumo à casa, em busca das consolações seráficas de Frei Heitor Pinto.
    Chegado que foi ao gabinete de trabalho, caiu de borco sobre as costaneiras venerandas, e não mais conteve as lágrimas. O mundo estava perdido, e os homens, sobre maus, eram impenitentes. Não havia desviá-los do ruim caminho, e ele, já velho, com o rim a rezingar, não se sentia com forças para a continuação da guerra.
    — Não hei de acabar, porém, antes de dar a prelo um grande livro, onde compendie a muita ciência que hei acumulado.
    E Aldrovando empreendeu a realização de um vastíssimo programa de estudos filológicos. Encabeçaria a série um tratado sobre a colocação dos pronomes, ponto onde mais claudicava a gente de Gomorra.
    Fê-lo, e foi feliz nesse período de vida em que, alheio ao mundo, todo se entregou, dia e noite, à obra magnífica. Saiu trabuco volumoso, que daria três tomos de 500 páginas cada um, corpo miúdo. Que proventos não adviriam dali para a lusitanidade! Todos os casos resolvidos para sempre, todos os homens de boa vontade salvos da gafaria! O ponto fraco do brasileiro falar, resolvido de vez! Maravilhosa coisa...
    Pronto o primeiro tomo — Do pronome Se — anunciou a obra pelos jornais, ficando à espera da chusma de editores que viriam disputá-la à sua porta. E por uns dias o apóstolo sonhou as delícias da estrondosa vitória literária, acrescida de gordos proventos pecuniários.
    Calculava em oitenta contos o valor dos direitos autorais, que, generoso que era, cederia por cinqüenta. E cinqüenta contos, para um celibatário como ele, sem família nem vícios, tinham a significação duma grande fortuna. Empatados em empréstimos hipotecários, sempre eram seus quinhentos mil réis por mês de renda, a pingarem pelo resto da vida, na gavetinha onde, até então, nunca entrara pelega maior de duzentos. Servia, servia!... E Aldrovando, contente, esfregava as mãos, de ouvido alerta, preparando frases para receber o editor que vinha vindo...
    Que vinha vindo, mas não veio, ai!... As semanas se passaram sem que nenhum representante dessa miserável fauna de judeus surgisse a chatinar o maravilhoso livro.
    — Não me vêm a mim? Salta rumor! Pois me vou a eles!
    E saiu em via-sacra, a correr todos os editores da cidade. Má gente! Nenhum lhe quis o livro sob condições nenhumas. Torciam o nariz, dizendo: “Não é vendável”; ou: “Por que não faz antes uma cartilha infantil aprovada pelo Governo?”
    Aldrovando, com a morte n’alma e o rim dia a dia mais derrancado, retesou-se nas últimas resistências:
    — Fá-lo-ei imprimir à minha custa! Ah, amigos! Aceito o cartel. Sei pelejar com todas as armas, e irei até ao fim. Bofe!...
    Para lutar, era mister dinheiro, e bem pouco do vilíssimo metal possuía na arca o alquebrado Aldrovando. Não importa! Faria dinheiro, venderia móveis, imitaria Bernardo de Pallissy, e não morreria sem ter o gosto de acaçapar Gomorra sob o peso de sua ciência impressa. Editaria, ele mesmo, um por um, todos os volumes da obra salvadora.
    Passou esse período de vida alternando revisão de provas com padecimentos renais. Venceu. O livro compôs-se, magnificamente revisto, primoroso na linguagem como não existia igual.
    Dedicou-o a Frei Luís de Sousa: “À memória daquele que me sabe as dores — O autor”.
    Mas não quis o destino que o já trêmulo Aldrovando colhesse os frutos de sua obra. Filho dum pronome impróprio, a má colocação de outro pronome lhe cortaria o fio da vida.
    Muito corretamente havia escrito na dedicatória: “...daquele que me sabe...”, e nem poderia escrever de outro modo um tão conspícuo colocador de pronomes. Maus fados intervieram, porém — até os fados conspiram contra a língua — e, por artimanha do diabo que os rege, empastelou-se na oficina esta frase. Vai ao tipógrafo, e recompõem-na a seu modo: “daquele que sabe-me as dores”... E assim saiu nos milheiros de cópias da avultada edição.
    Mas não antecipemos.
    Pronta a obra e paga, ia Aldrovando recebê-la, enfim. Que glória! Construíra, finalmente, o pedestal da sua própria imortalidade, ao lado direito dos sumos cultores da língua.
    A grande idéia do livro, exposta no capítulo IV — Do método automático de bem colocar os pronomes — era engenhosa aplicação duma regra mirífica por meio da qual até os burros de carroça poderiam zurrar com gramática operária, como o “914” da sintaxe, limpando-a da avariose produzida pelo espiroqueta dos pronomococus.
    A excelência dessa regra estava em possuir equivalentes químicos de uso na farmacopéia alopata, de modo que a um bom laboratório fácil lhe seria reduzi-la a ampolas para injeções hipodérmicas, ou a pílulas, pós ou poções para uso interno.
    E quem se injetasse ou engolisse uma pílula do PRONOMINOL CANTAGALO curar-se-ia para sempre do vício, colocando os pronomes instintivamente bem, tanto no falar como no escrever. Para algum caso de pronomorréia aguda, evidentemente incurável, haveria o recurso do PRONOMINOL Nº 2, onde entrava a estricnina em dose suficiente para libertar o mundo do infame sujeito.
    Que glória! Aldrovando prelibava essas delícias todas, quando lhe entrou pela escada a dentro a primeira carroçada de livros. Dois brutamontes de mangas arregaçadas empilharam-nos pelos cantos, em rumas que lá se iam. Concluso o serviço, um deles pediu:
    — Me dá um mata-bicho, patrão!...
    Aldrovando severizou o semblante, ao ouvir aquele “me” tão fora dos mancais, e tomando um exemplar da obra ofertou-o ao “doente”:
    — Toma lá. O mau bicho que tens no sangue morrerá asinha às mãos deste vermífugo. Recomendo-te a leitura do capítulo sexto.
    O carroceiro não se fez rogar; saiu com o livro, dizendo ao companheiro:
    — Isto, no “sebo”, sempre renderá cinco tostões. Já serve...
    Mal se sumiram, Aldrovando abancou-se à velha mesinha de trabalho e deu começo à tarefa de lançar dedicatórias num certo número de exemplares destinados à crítica. Abriu o primeiro, e estava já a escrever o nome de Rui Barbosa, quando seus olhos deram com a horrenda cinca: “Daquele que sabe-me as dores”.
    — Deus do Céu! Será possível?!
    Era possível. Era fato. Naquele, como em todos os exemplares da edição, lá estava, no hediondo relevo da dedicatória a Frei Luís de Sousa, o horripilantíssimo “que sabe-me”...
    Aldrovando não murmurou palavra. De olhos muito abertos, no rosto uma estranha marca de dor — dor gramatical, inda não descrita nos livros de patologia — permaneceu imóvel uns momentos.
    Depois, empalideceu. Levou as mãos ao abdômen e estorceu-se nas garras de repentina e violentíssima ânsia. Ergueu os olhos para Frei Luís de Sousa e murmurou:
    — Luís! Luís! Lamma sabachtani!
    E morreu.
    De quê? Não sabemos, nem importa ao caso. O que importa é proclamarmos aos quatro ventos que com Aldrovando morreu o primeiro santo da gramática, o mártir número um da colocação dos pronomes.
    Paz à sua alma.


    (Monteiro Lobato, in O. Pimentel, Antologia de contos – Livraria Cultural Ltda., Rio, 1961

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